terça-feira, 3 de agosto de 2010

É só o amor, é só o amor, que conhece o que é verdade! (Renato Russo)

Eu amo desorganizado, desavergonhado. Tenho um amor que não é fácil de compreender porque é confuso. Não controlo, não planejo, não guardo para o mês seguinte. A confusão é quase uma solidão adicional. Uma solidão emprestada.
Sou daqueles que pedirá desculpa por algo que o outro nem chegou a entender, que mandará nova carta para redimir uma mágoa inventada, que estará se cobrando antes de dizer.
Basta alguém me odiar que me solidarizo ao ódio. Quisera resistir mais. Mas eu faço comigo a minha pior vingança.
Amar demais é o mesmo que não amar. A sobra é o mesmo que a falta. Desejava encontrar no mundo um amor igual ao meu. Se não suporto o meu próprio amor, como exigir isso?
Um dia li uma frase de Hegel: “Nada de grande se faz sem paixão”. Mas nada de pequeno se faz sem amor.
A paixão testa, o amor prova.
A paixão acelera, o amor retarda.
A paixão repete o corpo, o amor cria o corpo.
A paixão incrimina, o amor perdoa.
A paixão convence, o amor dissuade.
A paixão não pensa, o amor pensa.
A paixão vasculha o que o amor descobre.
A paixão não aceita testemunhas, o amor é testemunha.
A paixão facilita o encontro, o amor dificulta.
A paixão não se prepara, o amor demora pra falar.
A paixão começa rápido, o amor não termina.
Não me dou paz sequer um segundo. Medo imenso de perder as amizades, de apertar demais as palavras e estragar o suco, de ser violento com a respiração e virar asma.
Até a minha insegurança é amor.
O pente nos meus cabelos é faca, enquanto é garfo para os demais.
Sofro a incompetência natural para medir a linguagem as laranjas; acredito desde pequeno que tudo que cabe na mão me pertence.
Minha lareira não dura uma noite, esqueço da reposição das achas, do envolvimento da lenha no jornal, de assoprar o fundo.
Brigo com o bom senso. Ou sinto calor demais ou sinto frio demais.
Uma ânsia de ser feliz do que a coordenação dos braços. Um arroubo de abraçar e de se repartir, de se fazer conhecer, que assusta. Parece agressivo, mas é exagerado.
Conto tragédias de forma engraçada, falo de coisas engraçadas como tragédia. Nunca o riso ou o choro acontece quando quero.
Cumprimento como se fosse uma despedida.
Desço a escada de casa ao trabalho com resignação, mas subo na volta pulando os degraus.
Esse sou eu: que vai pela esperança da volta.

[ Fabrício Carpinejar in: O amor esquece de começar. p.88-89]

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